domingo, 10 de junho de 2012

Visitante


“A dor que dói mais habita além do que pode ser descrito em palavras. Pulsa dentro da pele em chamas, invisível até mesmo ao olhar mais atento. Hora é estrondo, hora é silêncio. Mas faz-se pior quando em sussurro suplicante, culpado, sedento por castigo. Sabendo que o merece. Sabendo que não há perdão para o malfeito feito.”

Estava eu rabiscando o papel à meia luz, sob pesado efeito de cafeína e tomada por uma culpa inefável, quando se deu. Três batidas na porta. Por hora, fracas. Com o estômago revirado, espiei pelo olho-mágico e me deparei com o olhar impiedoso do Destino. Afastei-me, temente, demente, sabendo o que aquilo queria dizer. Pude senti-lo respirando em lentas tragadas por trás daquele pedaço de madeira, um tanto mais lento que meu ofegar temeroso.
Sempre soube que viria, mas meu íntimo ansiava por, talvez, um esquecimento. Qualquer motivo para ter o tempo necessário para me recompor, quem sabe até me redimir. Mas era impiedoso aquele visitante, insistente nas batidas e na sentença. Não podendo mais ignorar o fardo, escancarei a porta de súbito, como que para encará-lo por inteiro de uma vez.
A ausência que senti a partir de então veio em rajadas frias, como o vento que invade a casa quando se abre a porta, desorganizando o que vê pela frente. Cartas nunca enviadas, textos nunca divulgados, tudo voando porta afora. Sequer tivera tempo de juntar os pedaços de mim mesma e enviar para que alguém cuidasse deles. O Destino viera antes. Uma foto outrora presa numa agenda pairou pela sala, antes de repousar aos meus pés. Alguém fora retratado enquanto me abraçava, sem preocupação, antes de tudo aquilo. Antes da crise. Antes da tempestade.
Tudo voltara a estar fora do lugar, pouco depois de eu conseguir pôr um pouco de ordem na casa. O visitante fora embora, deixando apenas caos ao meu redor. Eu fora avisada, mas escolhera relutar. Perdera. Encostei-me à parede mais próxima, em choque, permitindo uma lágrima gélida escorrer pelo contorno do meu queixo. Só me restava esperar o fim do hiato forçado, e manter-me sã até a volta das minhas primaveras particulares.
Como previsto, pouco depois, a Saudade chegou deslizando por entre xícaras quebradas e folhas reviradas, e sentou-se ao meu lado. Acomodou-me em seu abraço, enxugou-me a lágrima e me entregou o bilhete amarrotado que trazia no bolso:

“Quando tiveres a Saudade como companheira
E a fraqueza quiser lhe derrubar
Suas marcas também serão minhas
E eu lhe sussurrarei em pensamento:
‘Você não está sozinha nessa imensidão’.”

Paula Braga.