sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Mar Aberto

Eu lembro a primeira vez que você me deixou sem ar.
Naquele balcão imundo apinhado de gente ébria eu me propunha, com pouco sucesso, a pedir uma água. Algo na embriaguez me fez lembrar de ti banalmente, nossos dois ou três olhares cruzados, e o pensamento foi interrompido pela tua chegada, casual e inesperada, ao meu lado, o ar leve e sorridente de tão pouco sóbrio.
Eu perdi o ar pela primeira vez ali
Sorrindo de volta pra ti
Porque ninguém deveria parecer assim tão bonito ao outro
(foi quando eu primeiro te quis).
Eu lembro, também, a segunda vez que você me deixou sem ar.
Foi quando eu acordei numa manhã seguinte repensando cada segundo da noite anterior e tinha você, um livreto da Lana Del Rey, um e outro São Braz... E então tínhamos nós e uma porção de lembranças que me roubaram o fôlego
Porque pela primeira vez
Num punhado de anos
Eu queria mais de alguém
(foi quando eu soube que te queria tanto).
Eu lembro, ainda, a terceira vez que você me deixou sem ar.
A famigerada noite de duas luas, de mar tranquilo, de estrela cadente e coração aquecido – até hoje não se sabe quantas vezes eu consegui perder o fôlego num intervalo de tempo tão curto. E, bem, você sabe o que eu pedi à tal estrela...
Eu pedi você
E tive
Eu só não pedi que nosso tempo fosse assim tão contado
(porque foi quando eu me apaixonei por ti).
Eu perdi o fôlego mais uma série de vezes, com cada sarda descoberta, com cada vez que eu pude segurar a tua mão em paz, com nossas despedidas mais ou menos dolorosas, com nossos retornos mais ou menos dramáticos, com os nossos planos de volta ao mundo (até pros EUA eu aceitei viajar, veja só), com nossos sonos compartilhados, com cada vez que eu planejei algo com tanto carinho pra ti
Mas que não pôde se realizar
Porque eu perdi o fôlego uma última vez
(e foi quando eu soube que tinha acabado).
Agora, presa nessa apneia, eu tento romper o torpor e entender como a gente chegou a esse ponto de tanto se sufocar. De não saber se separar, tampouco ficar junto. Ou como nós transformamos nossos abraços demorados em soluços interruptos, desesperados por não saber. Por não conseguir. Mas o que precisávamos conseguir, afinal? Onde esperávamos chegar, que acabou por sacrificar o nosso percurso antes tão... Simples? O que deixamos que nos esmagasse? E o que tanto deixamos por fazer, sentir e dizer? 
Eu me sinto tragada por todas essas perguntas com uma angústia muda e imóvel, e até certa exaustão, como quem morre afogado na praia depois de tanto nadar.
Bravo esforço
Mas onde chegamos mesmo?
Já que eu não sabia muito bem como me salvar
E o amor não é para os que prendem o fôlego e se jogam imprudentes em mar aberto, afinal.





Paula Braga.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Noite de Duas Luas

Poucas vezes pode-se ver estrelas por entre as nuvens da cidade. Mas, àquela noite, eram muitas as teimosas que insistiam em se mostrar.
Noite peculiar, diz-se.
Noite de duas luas.
Uma delas escondia-se por entre o labirinto de prédios que, dali, pareciam alcançar o céu numa massa labiríntica avançando à beira-mar. Seu ciclo, tão certo, dizia-nos que era véspera de lua cheia, mas ainda assim ela insistia em se manter tímida no céu. Talvez para deixar brilhar a outra, a que repousava na areia, àquela noite cheia como há tanto o seu ciclo incerto não nos permitia ver.
Eu a via de perto, com os pés imersos na areia e os lábios adocicados por um vinho que eu faria questão de guardar a tampa. Mais real que o mar tranquilo ou as pessoas ao longe, um longe que parecia ainda mais uma vez que pra mim só existia ela. Eu podia vê-la, eu podia senti-la, eu podia deixar o seu calor me inundar a fundo como há tanto me fazia falta. Sentindo-a finalmente ali, parecia como se ela nunca tivesse se escondido. Fácil e natural. A dor, a dor genuína do meu coração aquecido pelo seu calor sempre foi  o meu vício mais prazeroso, e senti-la foi como voltar para casa depois de uma custosa viagem.
Deixei que me invadisse plena e me deleitei sem prudência. Eu a consumi sem sequer pensar em quando o ciclo incerto dessa lua iria levá-la dali, ou talvez por isso a consumi tanto. Ela jamais me permitira medo. Debruçada na areia, tomada pelo cheiro, o gosto, o toque, o calor, eu não poupei o turbilhão de sentimentos que ela, como nada mais, era capaz de aflorar. Não economizei os sentidos. Não refreei a energia. Traguei-a e me deixei dragar pelo que ela me trazia de melhor: algo dentro de mim mesma que só se via quando ela se mostrava plena, e eu nela me atirava sem pudor.
Algo que eu esquecera como era sentir.
Mas que, com aquela lua cheia outra vez,
Foi como se nunca tivesse apagado.


Paula Braga.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Do que eu não mereço

Desculpe, meu bem,
Mas não é a mim que você deve culpar.
Não por eu relutar em admitir minha culpa: você sabe o quanto eu normalmente sofro justo pelo excesso dela. Não por eu ser orgulhosa: você sabe que eu não costumo sê-lo sequer quando é necessário. Não por eu não ter lhe procurado, insistido, conversado. Não por eu não ter sido sincera (talvez até mais do que deveria). Não por ter faltado consideração com os seus pontos de vista. Não por eu não ter tentado lhe ouvir e entender. Não por eu não ter me esforçado para conviver com uma mágoa que você insistia em sustentar (e me torturar). Não por eu não ter lhe dado a receita de como lidar comigo (e, consequentemente, também a de como me magoar). Não por eu ter lhe escondido os meus sentimentos mais guardados, fossem eles bons ou ruins. Não por eu ter sido má companheira. Não por eu ter negado lhe dar o que quer que você, de mim, precisasse.
Até porque, você sabe, eu lhe dei muito
Eu lhe dei tudo o que eu podia
O que eu não posso, meu bem, é dar a mim uma culpa que é sua.
Agora a sua ausência dói em cada vez que eu já quis voltar atrás, que eu quis lhe abraçar, que eu quis acreditar, que eu quis deitar do seu lado e fingir que nada disso era verdade. Que a tempestade sequer começou, que era só um copo d’água. Que o seu silêncio era o certo, que a minha gritaria era escândalo. Que a sua liberdade vinha acima do meu sentir, e o erro era meu de lhe pedir para ter qualquer sensibilidade. Que a culpa era minha de causar isso e lhe afastar, que se fosse por você era só paz. A paz de poder sentir e fazer o que se acha certo para si (e somente para si). Mas é isso, viver para si? Pensar só em si? E, pra isso, passar por cima do sentir de quem não for... Você?
Todos os dedos já me foram apontados,
Isso não é novidade
Mas eu continuo na minha escolha.
E, estando feita a sua
Você pode me deixar
Você pode me deixar agora.

Paula Braga.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Essa história de Vênus em Áries

De início, havia a calma
Era o que ela queria
Era o que ela queria?
De súbito, não queria mais.

Deu-se então o caos
Era o que ela queria
Mas ela queria tanto
Que não soube como querer.

Foi esse não saber que lhe tirou
O que ela queria
E ela queria tanto
Que, ao final, já não queria mais.

(Ou não conseguia).
Paula Braga.