quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Espelho


Ela apertou os lábios e sentiu a salinidade entre eles. Mirou seu reflexo no espelho, e o encontrou envergonhado pela própria fraqueza. Seu rosto estava banhado de lágrimas, o nariz vermelho e os olhos inchados, vazados de decepção.
Aquela não era a primeira vez, mas deveria ser a última.
Desviou os olhos da própria imagem e fitou o celular entre as mãos. Nenhuma chamada ou mensagem. Teve um ímpeto de ligar, mas para quem? E ainda que tivesse para quem telefonar, não o faria. Pouparia o ouvido alheio daquilo que sequer ela mesma aguentava.
Sua cabeça zunia de pensamentos desconexos e atordoantes. De súbito, arremessou o celular no espelho e viu seu reflexo se despedaçar. Gostou daquilo, de ver desordem e ruína para além do seu íntimo. O celular rachara e jazia a um canto, e os cacos do espelho se encontravam aos seus pés.
Apanhou um caco e brincou com ele entre os dedos, até que um filete de sangue lhe escorreu pela mão. Ela admirou o contraste entre o carmim do líquido e a brancura da sua pele. Desceu o caco pelo antebraço lentamente, como se o acariciasse, e viu outros filetes vermelhos lhe escorrerem tímidos pelo corpo. O sangue, tal qual o choro, trazia-lhe culpa e alívio, e lhe doía menos que as turbulências do coração.
Mais uma vez, os pensamentos levaram sua sanidade. Aquilo precisava de um fim, mas ela perdera o controle. Deslizou lentamente para o chão, gemendo baixinho. Perdera o controle. Agora o sangue lhe escorria pelas vestes, manchava o chão, levava-lhe a vida. Sucumbira. Fraquejara. Desistira.
Acabara.

Paula Braga.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ciclos

Sempre falante e sorridente; quem me vê assim não imagina as tempestades que se passam em meu interior. Faço graça, “tiro onda”, brinco; tudo isso para evitar o silêncio. Nunca parou pra pensar que este silêncio me assusta? Força minha consciência a se voltar para o meu íntimo e avaliar os meus pontos fracos.
Nesses momentos, os “monstros” se apoderam da minha sanidade. Ciúme, raiva, perda, arrependimento, saudade. Sou mais humana que o saudável. Se orgulho me falta, sobra no quesito “humilhação”. Excesso de perdão também machuca, caleja. Eu, mesmo assim, insisto em perdoar.
A cada novo amor, uma nova mágoa. Sempre me doando mais que o justo, acabo esperando demais de quem, pensando bem, não tem obrigação alguma para comigo. Palmas para mim, fui reprovada na prova de “relacionamentos”.
Sem mais delongas, vamos à epifania que me pôs a escrever: mudança. Sinto-me perdendo não uma, mas várias pessoas importantes. Seja por frieza, distância, tempo ou mágoa (que eu não costumo guardar, mas que fere o suficiente para ficar marcada). É um abraço negado, uma chamada não atendida, um “não vou poder ir, amiga”, uma mensagem sem resposta... Tudo isso acumulado, repetido tantas vezes quanto um filme da Sessão da Tarde. Disseram-me que eu nunca estaria sozinha, e eu não serei radical a ponto de dizer que estou. Mas diante de tantas mudanças, sinto-me solitária a ponto de não acreditar em promessas.
Seguiremos nossas vidas com cada vez mais lembranças e saudades. Vou seguir amando, doando e me preocupando - mesmo que os amigos virem trabalho; que vire emprego; que vire filhos. Cada vez mais só, eu sei, mas seguirei mais madura e pronta para superar as perdas que a vida me traz e trará.
Sigo com a esperança de ter sempre pelo que, e por quem seguir.


Paula Braga.