quinta-feira, 30 de maio de 2013

Doentio


Acordo doente de tristeza, corroída de dor no estômago. Dia de desnecessário despertar, envolto nesse tenso hiato que me inquieta os nervos e tortura o coração. Outra vez olho o celular, talvez a enésima, posto que tantas o fiz madrugada a dentro. O silêncio é também minha culpa, mas saberia eu o que falar? Saberia eu o que mentir, posto que a verdade parece assim tão horrível? Inferno, esse meu jeito errado de amar.
Doentio, de fato. Outra palavra sua melhor não poderia descrever. Encaro a parede vizinha à minha cama e desisto de forçar mais horas desse sono insone. “Loving you forever can't be wrong”. Tique-taque. Lana Del Rey. Horas e horas de Lana Del Rey embalando meu inferno mentalmente projetado e potencialmente perigoso. “Everytime I close my eyes it's like a dark paradise”. Minha tristeza é ainda mais doentia que qualquer outro fator que você possa acusar.
Então solta de vez a minha mão e me deixa quieta na minha inquietude. Meu corpo e minha mente doentes lhe enojam, eu sei. Enojam a mim também. Já não lhe pedi para desistir? “Be a good baby, do what I want”. Só não espere que exista cor nos meus olhos depois que a sua silhueta desaparecer de vista. Não me obrigue a ser feliz quando você se for. Quando você se for... Tique-taque. “I’ve got a war in my mind”. Desisto e me desarmo, o orgulho em frangalhos, querendo nada além do seu abrigo. Que você não solte a minha mão. Mas o que é a vida além desse eterno soltar de mãos? Eu sei que a sua se vai. Eu sinto. E enlouqueço ao sentir.
Tique-taque. A ausência não finda. Meu estômago dói. O rádio continua. “I’m tired of feeling like I’m fucking crazy”. Estranho como nós chegamos a pensar que eu tinha melhorado, não é? Mas cá estou, a mesma desvairada de sempre, que você se recusa a enxergar, publicamente jurando que “I will love you 'till the end of time”. Não tenho mais nada a perder, vergonha alguma a esconder, pudor nenhum ao falar. Afinal, quem eu mais deveria poupar da imensidão da verdade eu fiz questão de assustar. Mas eu espero que você um dia me perdoe por tudo isso, pois foi você que me manteve minimamente sã até agora. Minha cura. Meu remédio. Meu vício. Minha sanidade. Tique-taque. “Never let me go, just stay”.

Paula Braga.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Passarinho


Certa feita, eu conheci um passarinho.
Era singelo, de canto doce e manso, e tinha um quê de leveza em cada bater de asas. Encontrei-o perdido numa manhã invernal, a penugem desbotada, o céu anunciando uma tempestade iminente. Ele pousou tímido, mas confiante, em minha mão, e eu, mesmo desajeitada como quem não sabe cuidar, dei-lhe caloroso abrigo.
Veio e foi-se a tempestade, mas seu bater de asas continuou a me circundar, e não houve um dia sequer, desde então, que o passarinho não me encantasse com seu canto. Sim, foram os tempos mais doces que eu tive a sorte de desfrutar, vendo-o ali, voando sobre mim, pousando vez ou outra em meu dedo para me envolver em sua ternura. Fria seria a criatura que ousasse não amar tal pequenina fonte do sublime.
Mas era silvestre, o meu passarinho, e ninho algum que eu lhe desse seria capaz de fazê-lo realmente feliz. Vendo-o querer partir, invejei cada árvore que o veria passar, cada galho onde iria pousar, cada flor que o poderia ouvir quando eu não pudesse mais. Invejei até mesmo o céu, infinito que ele tanto almejava ganhar. Para o meu passarinho fui abrigo, não lar, e foi amando-o mais do que nunca que eu o vi partir.
O canto doce, contudo, continua aqui, a embalar-me os dias descoloridos e saudosos. Quem sabe um dia ainda ganho os céus como ele fez, quem sabe os seus voos sintam falta de onde pousar. Espero que a liberdade o tenha feito feliz, meu passarinho, mas não o tenha feito esquecer para onde pode sempre voltar.

Paula Braga.