O barco deslizava com quase nenhum
balanço na vaga das ondas daquele mar imoralmente azul. Desenhado no horizonte,
o porto se sobrepunha às colinas cobertas de casinhas brancas iluminadas por aquele
nascer do sol de verão, o mesmo que cobria aquele rosto que eu já vira ter
tantas cores. Tivesse eu o dom do traço, teria feito bela arte com aquele
perfil alaranjado, mais familiar que o meu próprio, emoldurando a infinidade
daquele mar tão antigo e romantizado. E, ao finir a obra, chamá-la-ia “Felicidade”,
pois aquele momento, só nosso e do Egeu, não poderia ser melhor nominado. Uma
lástima que meus desenhos sejam sempre essa pilha de palavras trôpegas e cheias
das tais metáforas.
Piso numa poça de lama gelada e, em meio
segundo, apaga-se meu quadro mental. Minhas pernas parecem gelatina, sobretudo
para vencer o vento outonal, mas sigo pé ante pé numa marcha contrariada,
absolutamente sozinha naquelas ruas largas e seculares. Ruas de mão única. Como
de um precipício, eu não poderia voltar.
Inferno. Não deveria eu já ter me
habituado a esse estranho “dom” de saber quando vou perder alguém? Pouparia o
choque. Poderíamos ir direto para a parte que as lágrimas finalmente conseguem
sair, em correnteza incessante como a que estava por vir.
Mas por hora, à meia-luz nessas ruas de
cheiro maçante, o choque me prende a esses fantasmas mais vívidos que a
realidade insalubre à minha volta. Meu nome, chamado de uma maneira doce como ninguém jamais chamara. Aquele
abraço infinito que eu sentia tocar a alma. A cabeça no colo com a mão no cabelo,
nosso gesto de proteção. Os braços carinhosamente entrelaçados. E, sobretudo, o
calor da presença nos incontáveis fragmentos de tempo que eu aprendi a ver com
mais cor, mais cheiro, mais vida. Vida essa que se descobrira ainda melhor enquanto compartilhada.
O vento me balança o capuz e eu piso em
outra poça de lama. A rua continua vazia enquanto a lua se esconde atrás de
incontáveis nuvens grafite, chorosas e cheias de você.
Não é mais verão, afinal. Tampouco para nós.
Paula Braga.