quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Estranhos

 

Ela caminhava despreocupada na calçada da avenida, por entre centenas de pessoas. Os fones em seu ouvido zuniam com a batida do rock, fazendo-a se desligar do mundo. Algumas mechas de seu longo cabelo vazavam pelo capuz, e seus dedos estalavam dentro dos bolsos. Até ali, mais um dia normal.
De repente, seu ombro esbarrou em um rapaz um tanto mais alto, vestido claramente como um homem de negócios. Ele falava atentamente ao celular, e mal a encarou ao se desculpar e seguir caminho. Afinal, esbarrar em alguém no meio daquela multidão era inevitável.
Mas algo naquele homem lhe chamou a atenção. Talvez o aceno na cabeça ao se desculpar, ou a maneira de andar, ou postura de atleta, mesmo dentro de um terno... Tudo aquilo lhe era familiar o suficiente para deixá-la curiosa. Ponderou por dois segundos, deu meia-volta e o seguiu.
Enquanto não o perdia de vista, perguntou-se o porquê de não ter sido reconhecida, pois a cada segundo tinha mais certeza de que era “ele”. Ela não estava tão diferente de alguns anos atrás, não o bastante para ser considerada estranha... Ou estava? Sorriu para si mesma, dando-se conta do quanto ele ainda a inquietava.
Sem aviso, ele entrou em um café-bar, e ela ficou a observá-lo pela vitrine. Sentou-se de costas em uma mesa um pouco afastada, e ela permaneceu do lado de fora, imersa em pensamentos.
Perdera muitos queridos para o tempo, mesmo aqueles que considerava amigos. Já se acostumara a perder o contato lentamente, até que as sutilezas lhe escapavam e eles já não se pertenciam mais. Seus vinte e poucos anos já lhe haviam ensinado o suficiente para saber que não era só o afeto que mantinha os relacionamentos, era necessário muito mais. O mais necessário, talvez, fosse maturidade, mas era o que geralmente faltava. Maturidade para seguir seus caminhos sem abandonar seus alicerces, desenhar seu próprio futuro sem deixar de fazer planos com seus amigos.
Obviamente, havia exceções. Ela ainda tinha amigos de longa-data, que, por obra de si mesmos ou por obra do acaso, permaneceram em sua vida. Mas estes eram uma pequena porcentagem do que tinha outrora.
Agora, vendo-o ali, teve a certeza que eram estranhos. Logo eles, que foram tão ligados, agora eram desconhecidos um do outro. Primeiro perdeu-se a convivência, e veio a solidão. Depois, foram-se as brincadeiras, e veio o estranhamento. E por último perdeu-se o contato, e veio a saudade. Saudade essa que adormecia esporadicamente, mas nunca realmente a deixava.
Ela se virou e foi embora, dando as costas para o que um dia lhe parecera impossível de abandonar. Continuou o seu caminho com a sua solidão, cercada de gente, mas com um vazio no coração.

Paula Braga.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Metamorfose Reversa

 

Quando o vazio se instala, é difícil pará-lo. Toda aquela felicidade que você me proporcionou se foi, e nada será como antes. Muita coisa mudou em tão pouco tempo... O genuíno sorriso se perdeu em algum lugar da sua nova feição, as palavras belas se foram com os ventos de junho, e somente a lembrança do seu abraço é que ainda me conforta.
Boas lembranças... É o que fica, é o que deve ficar. Lembrar-me das nossas gargalhadas despreocupadas para não me lembrar das suas duras e orgulhosas palavras. Lembrar-me dos seus segredos compartilhados para não lembrar da sua recente falta de confiança. Tudo tão contraditório... O tempo lhe contradisse, você se contradisse.
A borboleta virou lagarta, e eu não consegui impedir. Mas o que eu poderia ter feito nas atuais circunstâncias? Você não me incluiu em sua metamorfose reversa, deixou nascer um buraco entre nós.
Você se perde em uma floresta de ilusões enquanto eu me perco em um abismo. Eu poderia abrir minhas asas e fugir, mas não agora. Antes, preciso ver sua felicidade, para que minha dor não tenha sido em vão. Assim, e somente assim, eu vou poder voar para bem longe... Cada vez mais longe do seu coração.


Paula Braga.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Escolha


De nada adianta o meu esforço, se já não vale a pena.
Eu busco me apegar às coisas boas, enquanto você enfatiza as nossas diferenças. Por que eu ainda amo quem não me acha adequada para si? Não, não há resposta. Escuto apenas o eco da minha dúvida.
Dediquei-me a ti com todas as minhas forças, apesar das tantas evidências que me alertavam para o contrário. Quantas vezes confiei em ti, e em tantas me arrependi... Você me faz quebrar a cara sucessivas vezes, mesmo que sem querer.
Engraçado, você realmente parece mais à vontade com outras pessoas. É, talvez sejamos mesmo muito diferentes, então não quero mais ser um fardo para você. Eu me esforcei para mudar por ti, mas só agora vejo que foi em vão.
De agora em diante, não quero que deixes de ser feliz com quem te faz bem. Não quero que te preocupes se estou chateada. Desisto de tentar fazer você me entender. Deixe que as lágrimas fiquem comigo, afinal, já me acostumei a elas. Suplico que simplesmente vá, e não olhe para trás, pois eu não garanto conseguir me manter se olhar nos seus olhos. Sem mais dores, melhor assim. Apenas vá, mesmo que mais cedo.
Desculpe-me, mas adeus.

Paula Braga.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Imortalidade


Não há palavras suficientes para expressar o que se passa em mim.
Poucas vezes me senti tão completa como agora. O que é um paradoxo, já que poucas vezes estive tão sozinha, fisicamente falando. Não quero parecer altruísta nem nada do tipo, mas o fato é que a felicidade alheia me contagia, invadindo-me de tal maneira que se torna a minha própria alegria.
Sim, há a saudade. Tão real que chega a ser tangível, sufocando-me e atormentando-me a cada segundo, a cada fragmento cotidiano que lembre aqueles que tanto amo, e que já não fazem parte da minha rotina. Parando para analisar a real situação, eu deveria lamentar os rumos diferentes das nossas vidas, a distância cada dia maior entre os nossos futuros. Mas não, eu não lamento. Sei que sempre estarei guardada em vossos corações, seja por risos, lágrimas ou convivências. Sei que foi verdadeiro, e maravilhoso o suficiente para me emocionar sempre que teimo em sucumbir às lembranças.
O que me mantém feliz, sobretudo, é o fato de amar vocês. Amá-los muito, com toda a minha força e o meu coração. Perdão se insisto em dizê-lo o tempo todo, repetir incansavelmente o que representam para mim, mas é o meu jeito de conservar vivo o que se passa entre nós. Uma maneira que encontrei de imortalizar nosso sentimento.
E vê-los bem-encaminhados é um bálsamo. Saber que, mesmo que pouco, participei na construção do que são hoje, me dá a sensação de dever cumprido. Minhas advogadas, biotecnólogas, pedagogas, psicólogas, agrônomas, biólogas... É, vocês me matam de orgulho. E não só por isso, mas por terem me permitido acompanhar o desabrochar das suas vidas.


Paula Braga.