segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Pele

O acaso sempre dava um jeito de pô-los novamente juntos. Assustadoramente iguais, procuravam-se quase que por reflexo. Uma mensagem aleatória, uma ligação espontânea, uma vontade qualquer eram o suficiente para colocá-los outra vez nos braços um do outro, sem prudência ou perspectiva.
Ele não disfarçava suas intenções, ela não o desencorajava. Ele mordia o lábio, ela não escondia o arrepio. Ele investia, ela não se esquivava. Longe dos olhares de censura, seguiam sua natureza humana como uma espécie de afronta à rotina, às convenções, aos relacionamentos comuns. Queriam-se sem se pertencerem. Tinham-se sem se cobrarem. Amavam-se sem se amarem.
Toda essa naturalidade, porém, tinha prazo de validade. Talvez ela se apaixonasse e fosse viver uma história de amor com um terceiro; talvez ele cansasse daquela incerteza; ou talvez eles simplesmente decidissem que passaram dos limites. O fato é que jamais saberiam previamente quando seria a última vez que se encontrariam, pois seus instintos estavam conectados, de modo que, quando a solidão apertasse, eles invariavelmente se buscariam sedentos de familiaridade.
Enquanto o “talvez” não os afastava, contudo, iam alimentando o que tinham sem sequer mencionar o futuro. Somente pele, vontade e uma pitada de malícia.

Paula Braga.



quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Monstro Particular


Ela estava sentada na cama, com os pés apoiados no chão, a cabeça sustentada por uma das mãos (cujos dedos, feito garras, embrenhavam-se aos cabelos), e a outra sustentando uma frieza metálica. Coragem, coragem... Apertou os olhos e deixou escorrerem lágrimas que lhe contornaram timidamente a face.
Entranhou ainda mais fundo os dedos nos cabelos, trincou os dentes e suportou a dor. O ardor lhe subiu pelo antebraço, deixando o restante do corpo fora de foco. Não era tão ruim quanto parecia aos alheios, e a letargia forçada lhe adormecia levemente. Coragem... Seria mesmo fraqueza? Seria mesmo errado? Não teria ela o direito de se livrar daquela dor no peito como bem quisesse e fizesse?
Decidiu, porém, deixar-se levar pelo torpor que ia se intensificando e estirou seu corpo na cama. Tonta e cansada, ensaiou um gemido de angústia e desespero, e, pela primeira vez, teve medo de si mesma Afinal, como chegara àquele ponto? O que significava tudo aquilo? Em que espécie de monstro havia se transformado? Monstro de si e para si, alimentando-se de uma vagarosa autodestruição.
Num átimo, apagou. Nada fora do planejado. Jazia quieta, indefesa, entregue a um sono profundo e perturbado por pesadelos que ela, com sorte, não lembraria. Levantaria no dia seguinte um tanto abalada, um tanto lenta, mas levantaria com seu rotineiro sorriso-escudo. Encararia mais um dia de sol com a esperança que a noite demorasse a chegar, e carregaria exposto e escondido em si, respectivamente, um anjo alheio e um monstro particular.


Paula Braga.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Príncipe Encantado


Então ela bate o pé e decide que cansou de esperar por um príncipe encantado, daqueles que aparecem num cavalo branco trazendo consigo tudo aquilo que ela buscou em tantos outros. “Eles não existem”, repetiu para si mesma, para se convencer. É impossível, ninguém é perfeito...
Mas, quando parou para analisar a ultrapassada concepção de príncipe encantado, deparou-se com seu passado. Não, ele não era nem de longe encantado, mas de que importava? Quem precisava de um castelo quando ela o tinha bem ali, ao seu lado? Deu-se conta de que não era um príncipe que queria, e sim "ele", com todos os seus defeitos. Era mesmo necessário que ele provasse o seu amor defendo-a de um dragão, se no fim do dia era ele quem entendia as suas dores de “menina moderna”? Tinha seus encantos, isso era inegável, mas não deixava de ser um homem de carne e osso, e coração.
E ela o amava tanto... Amava o cabelo despenteado, a expressão brincalhona, o sorriso aberto. Amava como ele se interessava pela sua vida, mesmo que nos ínfimos detalhes, e como fazia questão de lhe dizer o que se passava na dele também. Amava as dúvidas acadêmicas, as ligações na madrugada, a aflição quando as coisas não iam bem. Amava até o modo como ficava distante quando passava por algum problema, numa tentativa de poupá-la, mesmo que fosse em vão, já que ela não o deixaria passar por aquilo sozinho.
No fim, ela amava todos os “defeitos” com tamanha intensidade, que achava impossível ter cogitado querer um príncipe encantado, com toda aquela perfeição. E foi então que se deu conta de que precisava querer um príncipe, sim, para não querer de novo o amado imperfeito que se fora.

Paula Braga.

sábado, 8 de outubro de 2011

Fuga

Então eu me canso, escondo-me, fujo de ti como um dependente fugindo do vício. Coloco milhões de defeitos seus na minha cabeça, mesmo sabendo que metade deles é mentira, e a outra metade eu amo quase tanto quanto as qualidades. Não lhe procuro, mesmo que todas as minhas forças peçam o contrário, pois o meu coração precisa de um tempo.
Fecho-me em silêncio e fico a te observar, de um jeito masoquista, tocando a vida em frente. Até quando vai ignorar essa situação? É impossível que você não sinta a minha ausência... Ou será que não? A raiva cresce com as dúvidas e eu me guardo em rancor. Vou me agarrando a qualquer motivo plausível que justifique a minha decisão de ficar longe.
Viro-me de costas e fecho os ouvidos pra não ouvir o ruído da sua rotina que, ao contrário da minha, segue normalmente. Forço um caminho contrário ao seu, como se não me importasse, mas espio por cima dos ombros a sua ingrata felicidade. Com os punhos cerrados, ensaio voltar somente para lhe dizer os meus motivos para ir, mas vejo que não faz diferença: você me deixará partir. Como todos os outros, você me deixará ir sem sequer saber a causa.
Dessa vez, porém, estou fugindo para justificar minha saudade. Quero distância para explicar a mim mesma o fato de eu querer sentir falta do seu sorriso depois de cinco minutos sem te ver, ao invés de sentir a ausência do teu abraço perdido há meses, sem expectativa de retorno. Quero ter histórias vividas ao invés de históricos no computador. Quero olhos-nos-olhos, cabeça no ombro, sorriso cúmplice. Quero conhecer todas as suas feições, seus trejeitos e suas expressões. Quero dormir com sua voz na cabeça. E, acima de tudo, quero ter saudade do que tenho de fato, não do que finge ser meu.

Paula Braga.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Cicatrizes


Altos e baixos, eis a minha rotina. Num minuto sou mel, e no segundo seguinte me faço amargo espinho. Doação e decepção me são tão intrínsecas quanto os dois lados de uma moeda, e alicerçam a frequente dualidade daquela que vos escreve.
Que tipo de amor é esse, que não sabe se inibir? Aflora em horas erradas, de maneiras erradas e por pessoas erradas. Expõe-se, desnuda-se, rasga-se sem pudor diante daqueles que, de alguma forma, despertam-no. E quando dou por mim, vejo-me cheia de feridas tão profundas quanto, aparentemente, inexplicáveis.
Detalhes. Firo-me com detalhes, e é essa a pior parte, pois quase sempre só eu os enxergo. Por vezes incompreendida, fecho-me e aceito os rótulos de “sensível” e “exagerada”. Nessas horas, foco e outros amores, cujas marcas, mesmo que momentaneamente, encontram-se amenizadas. Amor curando amor, preenchendo vazios e sarando feridas. Sem anestesia.
E curam. Uma hora, saram. Estamos falando de amor, não é? E amores não morrem tão facilmente. Podem esvair-se aos poucos, cheios de cicatrizes, mas não de imediato. No meu caso, porém, eles crescem. Tornam-se fortes, tornam-me forte, e crescem. Até que se fazem árvores fortemente enraizadas no solo do meu peito; de base tortuosa, sim, mas de copa tão frondosa que chega a tocar o céu.

Paula Braga.

domingo, 11 de setembro de 2011

Bodas de Papel

Um ano. Não é exagero dizer que “parece que foi ontem” que postei pela primeira vez. Sem ambições ou perspectivas, criei o “Quando a Lua Chora” em uma noite de ócio aparentemente normal, depois de várias insistências de um certo amigo (ao qual, por sinal, tenho muito a agradecer).
Sendo assim, nada mais justo do que começar agradecendo a esse amigo. Eduardo Mulato, 18 anos, blogueiro de talento invejável. Obrigada pelo pontapé inicial, por ter me estimulado a criar aquilo que hoje é meu escape e orgulho, e por acompanhar minha evolução durante esses 365 dias com olhos de crítico. Sua opinião sempre será importante, bem como o seu papel na minha jornada de aprendiz de escritora.
Outros dois homens importantes nessa jornada são Victor Garcia e Ítalo Boaventura. O primeiro corrigiu inúmeros textos, ajudou-me a escolher fotos e títulos, e, acima de tudo, tratou-me como realmente uma escritora em potencial, não poupando críticas e correções. Nunca terei palavras suficientes para agradecer pela paciência e pelo companheirismo dedicados a essa menina insegura.
Já o segundo, meu querido “IB”, age como meu publicitário. Quantas noites já viramos juntos, arquitetando o futuro do blog... Você me estimula a seguir, mostra meu talento quando eu penso em desistir, e é declaradamente o meu “fã número um”.
Queria agradecer também àqueles que já tiveram a oportunidade (seja ela considerada boa ou não) de ler um texto em primeira mão, fosse ele rabiscado numa folha de caderno ou um rascunho do Word. Que opinaram, discutiram e me ajudaram a evoluir ao longo desse tempo.
Voltando ao simbolismo da data, falemos da obra em si. O primeiro texto, “Cair”, talvez seja o de história mais curiosa. Nasceu bem antes da ideia do blog, como uma tentativa de explicar para uma amiga o que se passava no meu coração (outrora partido). Tive de contar uma história a partir de sua raiz e concluí-la com a dor do fim, para que ela pudesse compreender o que de fato se passava em mim. Até então nunca tinha escrito um texto com essa finalidade, e, a partir daí, passei a me usar da palavra escrita como um escape.
Os textos seguintes trouxeram, quando não várias, ao menos uma pessoa nas entrelinhas. E não falo só de um coração partido que tanto já escreveu para o mesmo algoz, mas de uma capacidade de se doar para as amizades. Ouso dizer que todos os meus textos são de amor, mas que poucos deles são carnais. Trago aqui uma poética sofrida, sim, mas apaixonada por aqueles que despertaram o meu coração para o valor da amizade.
Acompanhada ou não de lágrimas, já escrevi diretamente para as minhas doces Bruna Lobato, Alana Cortez, Andressa Frota e Yasmim Ribeiro. E indiretamente para Milena Scur, Thaís Brito, Stefanny Matos, Vitória Bessa, Beatriz Queiroz, Thaís Lopes, Melyssa Sampaio, Florence Façanha, Samara Amoras, Eduardo Mulato, Ítalo Boaventura e tantos outros amados (vide “Aos Meus Queridos”). A vocês, o meu sincero agradecimento. Não por simplesmente estarem na minha vida, mas por deixarem marcas profundas nela.
E, finalmente, queria agradecer a todos que já leram, comentaram, divulgaram, curtiram a página no facebook ou simplesmente tiveram a curiosidade de saber do que fala esse link que eu tanto divulgo. Já fui criticada por tal exposição, e tenho certeza de que as críticas nunca acabarão. Mas tenho orgulho de, há 365 dias, vir rasgando meus sentimentos em palavras afim de amenizar não só a minha dor, mas também a dor daqueles que, como eu, têm mania de amar.
Há um ano não nascia um escritora; não tenho a pretensão de me auto-denominar assim. Nascia um espaço no qual sentimentos próprios se misturam a alheios, onde alguns buscam conforto, outros defeitos, e outros simplesmente tentam entender a mentalidade da autora.

Feliz Aniversário, Quando a Lua Chora. E que venha mais um ano!


domingo, 4 de setembro de 2011

Chão

Carne e alma fundidas me ofuscam os sentidos. A sensibilidade, sempre tão à flor da pele, escondeu-se nas profundezas do íntimo. De tanto negar a mim mesma tal tendência a amar, acabei por adormecer as emoções a ponto de, por vezes, precisar revirá-las conscientemente.
Tal dormência me dá certo asco. Como posso ser fria, se sempre abominei quem reprimia os sentimentos? Hipocrisia involuntária. O tempo me mostrou (e ainda mostra) que o “tanto faz” evita dor. Escudos invisíveis bloqueiam oportunidades, mas amortecem desilusões. A racionalidade me impede vôos desvairados, puxa-me para o real. Mas quem disse que o real é belo? Chega a ser áspero, frio, sem vida. Fácil. Cômodo. Sem emoção.
Assim, permiti-me um vôo. Um só. Apenas um vislumbre de céu, uma fresta no escudo, uma ínfima esperança de aquecer um coração. Jogada fora. Caí em queda-livre, de asas cortadas e ilusões perdidas. O baque me trouxe ao real. O chão era o fim. Rastejei em meio às dores, ajoelhei, levantei. Encarei as feridas, engoli o choro e não mais lamentei.
Fitei o céu ao longe e amargurei triste sorte. Inalcançável. Cansara de tentar. E, com os pés firmes no chão, segui o caminho tortuoso daqueles que não sabem amar.


Paula Braga. 


quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Espelho


Ela apertou os lábios e sentiu a salinidade entre eles. Mirou seu reflexo no espelho, e o encontrou envergonhado pela própria fraqueza. Seu rosto estava banhado de lágrimas, o nariz vermelho e os olhos inchados, vazados de decepção.
Aquela não era a primeira vez, mas deveria ser a última.
Desviou os olhos da própria imagem e fitou o celular entre as mãos. Nenhuma chamada ou mensagem. Teve um ímpeto de ligar, mas para quem? E ainda que tivesse para quem telefonar, não o faria. Pouparia o ouvido alheio daquilo que sequer ela mesma aguentava.
Sua cabeça zunia de pensamentos desconexos e atordoantes. De súbito, arremessou o celular no espelho e viu seu reflexo se despedaçar. Gostou daquilo, de ver desordem e ruína para além do seu íntimo. O celular rachara e jazia a um canto, e os cacos do espelho se encontravam aos seus pés.
Apanhou um caco e brincou com ele entre os dedos, até que um filete de sangue lhe escorreu pela mão. Ela admirou o contraste entre o carmim do líquido e a brancura da sua pele. Desceu o caco pelo antebraço lentamente, como se o acariciasse, e viu outros filetes vermelhos lhe escorrerem tímidos pelo corpo. O sangue, tal qual o choro, trazia-lhe culpa e alívio, e lhe doía menos que as turbulências do coração.
Mais uma vez, os pensamentos levaram sua sanidade. Aquilo precisava de um fim, mas ela perdera o controle. Deslizou lentamente para o chão, gemendo baixinho. Perdera o controle. Agora o sangue lhe escorria pelas vestes, manchava o chão, levava-lhe a vida. Sucumbira. Fraquejara. Desistira.
Acabara.

Paula Braga.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ciclos

Sempre falante e sorridente; quem me vê assim não imagina as tempestades que se passam em meu interior. Faço graça, “tiro onda”, brinco; tudo isso para evitar o silêncio. Nunca parou pra pensar que este silêncio me assusta? Força minha consciência a se voltar para o meu íntimo e avaliar os meus pontos fracos.
Nesses momentos, os “monstros” se apoderam da minha sanidade. Ciúme, raiva, perda, arrependimento, saudade. Sou mais humana que o saudável. Se orgulho me falta, sobra no quesito “humilhação”. Excesso de perdão também machuca, caleja. Eu, mesmo assim, insisto em perdoar.
A cada novo amor, uma nova mágoa. Sempre me doando mais que o justo, acabo esperando demais de quem, pensando bem, não tem obrigação alguma para comigo. Palmas para mim, fui reprovada na prova de “relacionamentos”.
Sem mais delongas, vamos à epifania que me pôs a escrever: mudança. Sinto-me perdendo não uma, mas várias pessoas importantes. Seja por frieza, distância, tempo ou mágoa (que eu não costumo guardar, mas que fere o suficiente para ficar marcada). É um abraço negado, uma chamada não atendida, um “não vou poder ir, amiga”, uma mensagem sem resposta... Tudo isso acumulado, repetido tantas vezes quanto um filme da Sessão da Tarde. Disseram-me que eu nunca estaria sozinha, e eu não serei radical a ponto de dizer que estou. Mas diante de tantas mudanças, sinto-me solitária a ponto de não acreditar em promessas.
Seguiremos nossas vidas com cada vez mais lembranças e saudades. Vou seguir amando, doando e me preocupando - mesmo que os amigos virem trabalho; que vire emprego; que vire filhos. Cada vez mais só, eu sei, mas seguirei mais madura e pronta para superar as perdas que a vida me traz e trará.
Sigo com a esperança de ter sempre pelo que, e por quem seguir.


Paula Braga.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Fragmentos

O fato é que nos acostumamos a sofrer por “amor”. É aceitável que algumas memórias nos venham à mente involuntariamente, mas viciar-se ou não em viver do passado, desculpe-me a sinceridade, é uma escolha.
Eu escolhi seguir adiante.
Depois de remoer incontáveis vezes sobre os motivos de tal injustiça e dolorosa separação, coloquei a cabeça no presente e me vi num tempo bem melhor. Parecíamos “perfeitos” juntos, e somente a dois, mas hoje eu encontro pedaços de perfeição em diversos detalhes que conquistei, veja que irônico, quando fui deixada pela metade.
Se antes o seu sorriso bastava para a minha felicidade, hoje eu encontro satisfação em incontáveis e amados risos, os quais eu tenho a certeza de que sempre estarão ali para iluminar meu dia.
Em suma, um coração estilhaçado usa cada pedaço para multiplicar amor. Aprendi que um sentimento exclusivista é ilusão, e que é bem mais satisfatório distribuir carinho do que canalizá-lo a uma só pessoa.
Eu tenho um coração em pedaços, sim. Ainda. E o meu maior orgulho é amar intensamente com cada fragmento dele.

Paula Braga.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Enlace

"Os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace." - Victor Hugo
Abraço-te, envolvo-te, protejo-te como se pudesse, num só gesto, esconder-te do mundo. Fazer-te de novo criança, e deixar ao menos uma fração daquela velha inocência tocar essa alma já tão vivida quanto calejada.
Muitos quiseram me mostrar o mundo, e de certa forma o fizeram. Deixaram suas marcas em mim, tanto em forma de aprendizado quanto de lembranças. Apenas os poucos que abriram o coração aos meus cuidados, porém, conhecem-me de verdade e sabem o quanto é sincero e zeloso o meu afeto mais puro.
Você não é exceção. Eu enxergo além dessa capa madura, e consigo ver a sua essência de aprendiz da vida. Sinto o quanto você tem temores, carências, defeitos e outras tantas "fraquezas" que o mundo lá fora não perdoa. Mas o nosso “mundinho paralelo” aceita as impossibilidades que só o amor explica, e é neste que eu vivo quando quero te proteger da ferocidade da vida real.
Aquele papo de “anjo” já está um tanto batido, então direi apenas que, quando tudo parecer perdido, eu estarei lá para lhe proteger. Sem cobranças ou apelos, como uma espécie de “saída de emergência” para garantir a sua segurança emocional quando algo lhe afligir.
Eu te solto do meu abraço a duras penas, já sentindo a iminência da falta que você me faz. Em antítese ao meu íntimo, não me demoro na despedida, mas dou vazão ao receio com uma única súplica:
“Cuide-se.”

Paula Braga.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Saudade

“Isso está me matando.”
Ela estava à beira da piscina, sentindo um abandono que não tinha explicação lógica. Por que deixara a situação chegar àquele ponto? Por que se deixara cativar de maneira tão intensa? Mas já não se via sem a certeza de que alguém, mesmo distante, estava “ali”. Não sabia viver sequer sem a saudade, sufocante, dolorosa, mas sempre presente. Um lembrete de que eram reais, todos os juramentos, segredos e sentimentos.
Mas isso era o de sempre. Essa saudade infinita a acompanhava em cada respiração. Já estava acostumada a amar a ausência, para ter o que amar mesmo nas horas mais solitárias. Ater-se às poucas lembranças sólidas, e às infinitas abstratas. O que não julgava lógico era ainda sentir nos seus braços o calor daquele abraço, tão raro quanto desejado, e ter de lutar contra a tristeza que lhe tomava com a força de um canhão.
O desespero lhe subiu à cabeça. Tiveram tanto tempo para se conhecer, e, no entanto... Quantas vezes se viram sem se ver?  Dúvidas, angústias, impotência... Saudade. É, talvez a ausência não fosse tão fácil assim de se aceitar.
Ela tirou o celular do bolso e enviou uma mensagem, que tentava mostrar pelo menos um décimo do que estava sentindo. Encarou a superfície calma da piscina enquanto refletia sobre o que havia dito, e sobre tudo o mais que queria dizer. Não esperava resposta, como nunca havia esperado. E a resposta tampouco chegaria. Mas sabia que, em algum lugar não muito longe dali, um celular havia vibrado e alguém havia se emocionado com a verdade por trás daquelas poucas palavras.

Paula Braga.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Desfecho

O silêncio me inquieta. O dever de calar, mesmo tendo vontade de despejar em você tudo o que me engasga a fala. Sem pausas ou vírgulas, sem hesitação ou receio, sem culpa ou piedade. Jogar a verdade na sua cara, como se fosse um tapa doloroso o suficiente para que você vista sua culpa e vá embora.
Mas chega uma hora que nem mesmo isso adianta. Nem as palavras mais sinceras nas horas mais propícias podem salvar algo já tão desgastado. O mundo prende a respiração e espera pela nossa atitude, nosso "final feliz", mas talvez não valha a pena. Não mais. O amor não pode mais nos salvar, se é que algum diga o fez.
E não adianta dizer que temos algo a preservar. Tínhamos, mas há muito tudo foi jogado fora. E vejo agora nossa última chance se esvaindo pelas suas mãos temerosas. Pois bem, dessa vez eu estou pronta para dizer adeus.
Sem mais delongas, é hora de encerrar este ciclo. Poupemos mais lágrimas ou sofrimentos, e foquemos na aceitação. É hora de seguir caminhos diferentes. Sem olhar para trás, para o que foi, e para a saudade do que não mais será.

"Nós dois sabemos muito bem que fomos feitos um pro outro, 
mas que existem outros 6 bilhões também." ♪


Paula Braga.

domingo, 12 de junho de 2011

Menina de Ouro

Mesmo ferida, levante a cabeça novamente. Você já passou por isso, certo? Não é agora que vai desistir; tome fôlego e tente mais uma vez. Se necessário, mais várias vezes. Continue seguindo seu coração, sendo fiel a si mesma, que seu momento e sua pessoa chegarão.
Com uma personalidade incrível e um caráter ímpar, você ainda tem dúvidas de que Ele não tem planos para o seu futuro dignos do seu valor? Em algum lugar, há alguém que apreciará tudo o que aqueles que têm a sorte de viver ao seu lado já conhecem: uma Menina de Ouro. Sim, você tem seus defeitos; mas ele vai amar cada um deles como nós, seus verdadeiros amigos, amamos. Fará valer a pena cada segundo da sua espera, e vai te fazer agradecer por cada decepção e por cada “pessoa errada” que Deus tirou da sua vida.
Enquanto isso, cultive-se. Não esqueça quem você é, de onde você veio e que caminho quer seguir. Ame aqueles que merecem com toda a dedicação de sempre, e desapegue-se daqueles que só lhe desgastam os nervos e o coração. Sim, há alguém especial guardado para você; sei que há. Mas tudo tem seu tempo e seu motivo para acontecer.

Paula Braga.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Inesperado

Ao mesmo tempo em que me magoei com pessoas que nunca imaginei me magoar, cativei e me deixei cativar por pessoas que nunca imaginei amar.


Não é segredo que você não tinha importância na minha vida. Era só mais um ser no meio da multidão, que não prendia o meu olhar distraído. Talvez tenhamos nos esbarrado algumas vezes, mas nunca tomamos a iniciativa de nos conhecer, ou mesmo prestar atenção na existência uma da outra. O acaso, porém, trouxe você de surpresa para mim, de uma maneira tão aleatória que eu não compreendi de imediato o valor inestimável desse presente.
Mesmo somente convivendo com a aparência, a princípio, gostei do que vi. Uma fortaleza de pessoa, que não se deixava abalar por coisas pequenas. Você me ensinou, sem querer, que o mais importante é ser feliz consigo mesma.  Estimulou-me a aproveitar cada segundo intensamente, deu-me sede de vida, mostrou-me que a opinião alheia é apenas a opinião alheia, e é você mesmo quem deve moldar o próprio caráter.
Sem pressa, sem ânsia, sem cobrança, fomos nos aproximando. E outra face sua se desnudou gradualmente para mim: o ser humano, com suas dores a aflições. Percebi que você também precisava constantemente de um ombro-amigo, e eu senti a necessidade de te apoiar. Compartilhei meus segredos, e fui me surpreendendo com suas brincadeiras e gestos carinhosos. Sinceramente, não te imaginava tão afetuosa. E a surpresa me cativou ainda mais.
Hoje eu sei que, se olhar para o lado, encontrar-te-ei comigo. Você despertou o melhor de mim, a amizade, e nossa ligação se solidifica mais e mais a cada dia que passa. Não consigo te ver triste e não ter vontade de te abraçar e dizer que tudo ficará bem. E me enche de alegria ver o quão importante eu também pareço ser para você.
Por fim, gostaria de agradecer por confiar em mim, por me permitir provar que vale a pena estar ao meu lado, e por me mostrar o seu “eu” mais bonito, e que, já percebi, são poucos os que conhecem. Eu vou cuidar de você, vou zelar pela nossa amizade, e vou te defender de todo o mal que ousar te ameaçar.


Paula Braga.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Tempo


O segredo.

A confiança, o carinho, a inocência
A amizade, a união
E um amor verdadeiro.

A renúncia.

A ingratidão, o abandono, o sofrimento
A perda, a solidão
E as lágrimas rotineiras.

A reviravolta.

As amigas, as festas, as tentações
As perdições, as inconsciências
E uma nova vida para quem precisava viver.

O inesperado.
                            
A surpresa, o bálsamo, a emoção
A esperança, o renascer
E o sossego para um coração inconformado.

O medo.

A perturbação, o orgulho, a realidade
A dúvida, a ferida
E o receio de sofrer tudo outra vez.

Paula Braga.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Superficial

Muitas vezes, sinto raiva do meu amor por ti. Raiva por ficar bobamente feliz quando você demonstra se importar, mesmo que um pouco. Porque, logo depois, eu sei que você vai me magoar. Para que falar que se importa comigo, se nem lembra da minha existência se eu não estiver correndo atrás todo dia?  Estou farta de ouvir um ‘eu te amo’ vazio de ações, dito da boca pra fora, como se pudesse amenizar a minha sede de sentimento.
Não adianta se desculpar, dizer que é da sua natureza calar o que sente. Acredite, é duro ver você dizendo para inúmeros outros tudo aquilo que eu me esforço para ouvir, e sabendo que mereço. Ciúmes? Talvez. Mas, acima de tudo, é saber que te ‘perco’ a cada segundo que não estou ao seu lado, que não posso admirar teu sorriso de perto, e, acima de tudo, que não posso ser o motivo diário da sua felicidade.
Portanto, não quero mais ouvir que temos solução. Prove-me o contrário, ou aceite isso. Porque, a partir do momento que você assumir que nossa história é fugaz, tornará mais fácil de preservarmos o que vivemos.
E assim, com a dor das palavras, vou lentamente me transformando em passado. Deixando totalmente vago um espaço que achei que fosse meu, mas que na verdade era só ilusório.

Paula Braga.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Devaneio

Quase sem querer, mais uma vez ponho-me a devanear com sua presença. Em meio a multidões que muitas vezes te cercam, infiltro-me e te observo de longe. Lembranças me tomam a cabeça, e deixo-me reviver o tempo em que sua silhueta se moldava à minha, sem preocupação; de quando seu pensamento era meu e não havia culpa em nossas mãos.
Com um arrepio de choque, seu olhar encontra ao meu. Percebo sua hesitação, sua culpa, seu medo. Entre nós, todo esse tempo de separação, e uma infinidade de incidentes que quase mataram um amor. Quase.
A estática do desconhecido nos envolve. O que você faria se eu arriscasse um sorriso? Se eu me aproximasse? E se eu segurasse a sua mão e lhe confessasse que o meu amor mais sincero sempre foi seu? O medo me mantém presa ao chão, congelando minhas ações enquanto instiga meus sentimentos. 
E ao longe, você. Imóvel, como que me avaliando. Estaria pensando o mesmo que eu? Provavelmente não. Você tem seus motivos para se manter distante, enquanto eu me atenho aos meus para me conservar fechada. É assim que tem sido, a isso nos acostumamos. 
Num assomo de coragem, porém, resolvi que era hora de dar um capítulo diferente ao nosso enredo. Esbocei um sorriso contido, e avancei em sua direção. Sem avaliar a sua reação, por receio de fraquejar, mantive o passo firme e ritmado. Cheguei mais perto do que há muito não ousara chegar. Estudei seu rosto, me deliciei com seu sorriso aliviado, e me revigorei.
Avancei mais um pouco, e deslizei a minha mão em busca da sua. Nossos dedos se entrelaçaram, enquanto eu sentia sua respiração no meu cabelo. Aspirei o cheiro da sua nuca, e sussurrei ao pé do teu ouvido o sopro mais puro do meu coração:
“Eu sempre te quis.”

Paula Braga.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Proteção


E quando você se magoa com a única pessoa da qual não pode sentir raiva, o que fazer? Conhecendo seus temores e aflições, é humanamente impossível deixar a posição de seu “apoio” para me tornar mais um algoz da sua felicidade.
Tenho os meus motivos, isso é fato. Em sua ânsia por retomar afetos e lutar por causas válidas, porém dolorosas, acabaste por magoar inocentes. Tua dureza recém adquirida fez uma vítima, como você quis. Não creio, porém, que tenha sido eu o seu alvo principal.
Por vezes, precisas mais de mim do que eu mesma. Sendo assim, engulo minha perturbação e finjo que nada me aflige, que o teu medo de demonstrar sentimentos não me machuca; o que, convenhamos, não é bem verdade. Sofro por cada silêncio e cada sumiço seu, como se, de alguma forma, eu tivesse chegado no tempo errado e encontrado um coração doente, que se retrai ao menor toque.
Nesse ponto somos um tanto iguais, cada um com sua dor. Compreendemos um ao outro melhor que nós mesmos. Parece-me, entretanto, que a questão da amizade é diferente. Demonstro, protejo, corro atrás e não me preocupo com o que pensarão. Cansei do comedimento, das amizades superficiais, do coleguismo. Não queria estar totalmente errada sobre o que você é, ou sobre o que mostrou ser.
Toda essa dúvida agrava o meu sofrimento. Sendo assim, suplico que se desarme dessa guarda perante a mim. Se realmente sente tudo o que me disseste, clamo que, somente desta vez, prove-me. Mostre-me que não tem medo, e eu lhe garanto nunca mais duvidar. Vou brigar pela tua felicidade, quase tanto quanto pela minha. Guardar-te-ei de todo o sofrimento que puder evitar, e, se não estiver em minhas mãos, lutarei ao teu lado frente a todo e qualquer obstáculo.  

Paula Braga.

domingo, 3 de abril de 2011

Dependência


Admito que sempre me falta coragem para lhe dizer tudo o que me aflige. Não que seja simplesmente covardia, o que falta mesmo é organização emocional. Como lhe explicar a confusão que se apossou da minha mente? E não é de agora que eu venho calando esse caleidoscópio de sentimentos, na tentativa de poupar-lhe o estresse.
Fracassei no meu silêncio, no entanto, como se pode ver nessas palavras vazadas pelos olhos e cheias de significado. Falhei por não conseguir te ignorar, como já fiz com tantas outras amizades; por não ter sido fria quando necessário, e por ter me doado ao extremo, rasgando diante de ti o meu melhor e o meu pior.
  Peço-te perdão por ter criado tão forte vínculo contigo. Por depender tanto do teu carinho para ficar bem, por querer tanto o teu abraço para me acalmar, por ter tão grande necessidade de ti, com todas as suas complexidades, fraquezas e virtudes. Por ter corrido atrás de te inserir no meu coração, sem me importar se você me queria no seu. E, principalmente, por ter essa enorme ânsia de provar o tempo inteiro o quanto és importante para mim, e o quão grande é o meu medo de ser esquecida.
Não serei injusta, porém. Muitas vezes valeu a pena, só pelo seu sorriso. Quis fazer a diferença, me esforcei para isso, apesar de nem sempre obter sucesso. O fato é que ter você ao meu lado me fez feliz o suficiente para que eu aceitasse ser apenas um pequeno capítulo da sua vida. Se ainda estou sendo? Sim, e espero poder ter mais algumas linhas de espaço. Só me dói é saber que, mesmo que você negue, essa curta história terá seu fim.

Paula Braga. 

quinta-feira, 24 de março de 2011

Triunfo


Foi-se o tempo em que eu me importava com o comentário alheio. Aprendi que, não importa o quanto você tenta “andar na linha” e fazer tudo correto, sempre aparece alguém para apontar seus defeitos, e duvidar da sua índole.
Sendo assim, ergui a cabeça e passei a viver por mim e para mim. Parei de renunciar à minha felicidade em nome de quem não a merecia. Mudei, pois é. E ainda tem gente que diz que mudei para pior. Leigos, em minha opinião. Só quem sabe que motivos esculpiram o que sou hoje é que merece o meu carinho.
E para os demais, exibo o meu sorriso triunfante. Não conseguiram me derrubar, por mais que tenham sido fortes as investidas. Não finjo felicidade pra tentar te atingir, não mais. Hoje eu sou genuinamente feliz, de coração limpo. Sem você, e, principalmente, sem precisar de você.

Paula Braga.

terça-feira, 15 de março de 2011

À Espera de Morfeu


Sabe aquele momento antes de dormir, em que você fica entregue aos próprios pensamentos à espera da subconsciência? Pois bem, cuidado com esse momento.
Talvez você possa sentir novamente aquele abraço, cheiro ou gosto. Ouvir de novo as promessas feitas sem qualquer garantia; todas quebradas.
Reviro-me na cama, na esperança de afastar as lembranças. Foco em outros pensamentos, no presente, no futuro... Em tudo, menos em você. Inútil, e só me resta a constatação do nosso fato: não estamos mais juntos, nem ficaremos.
Como um escape, tento imaginar como seria se voltássemos, hoje. Um alívio, sim, pois sei que não daria certo, o que ameniza a dor da separação. Já não sou tão ingênua e apaixonada como antes, e você não é mais o companheiro e carinhoso de outrora. Eu optei por querer descobrir a vida, enquanto você se trancou no próprio mundinho. Caminhos diferentes, e cada vez mais distantes.
Nesse ponto, a lucidez vai me escapando. Morfeu se aproxima, posso senti-lo a pressionar minhas pálpebras. Cederei, pois, aos seus domínios, na esperança de que os sonhos aliviem a minha realidade solitária.

Paula Braga.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Singular

Existem pessoas em nossas vidas que não gostaríamos de perder. Dentre essas, existem as amizades sem as quais não nos imaginamos sem. E, mais a fundo, existe aquele amigo que deixaria um vazio absurdamente doloroso caso partisse.
Hipérboles à parte, só quem tem alguém assim sabe do que estou falando. São indispensáveis, raros, ímpares. Envolvem um sentimento tão complexo que mesmo as mais bem arquitetadas palavras não lhes fariam justiça.
Curiosamente, quase sempre são do sexo oposto. Talvez isso seja uma espécie de pré-requisito, já que ambos parecem se completar. A descoberta do seu “eu” num outro gênero fascina e atrai, fazendo-os mais próximos do que, muitas vezes, um casal de namorados.
Namorados... Que atire a primeira pedra o melhor amigo que nunca cogitou essa possibilidade. Com o tempo e o amadurecimento da relação, porém, ela vai se tornando desnecessária. Talvez porque sua ligação ultrapasse o campo do físico, e até mesmo do sentimental. Tais amigos desenvolvem uma ligação muito maior que as coisas terrenas. Unem suas almas lentamente, palavra por palavra, segredo por segredo, até que se veem presos nas teias emocionais um do outro de uma maneira irreversível.
Não são exclusivos, contudo, e não seria saudável se assim fosse. Cada um tem seus amigos, suas famílias, suas vidas... A diferença é que, no fim do dia, eles pertencem um ao outro. É para ele que vai a mensagem aflita na madrugada, a ligação soluçante, o relato cotidiano, o primeiro pensamento ao ouvir falar em “amizade”.
A antítese de tal relacionamento, porém, é a insegurança. Questionar-me se você tem tanto medo de tudo acabar quanto eu. Indagar se você me conhece até em pensamentos como eu te conheço. Mas é só ver seu sorriso para ter certeza de que todos os meus temores não possuem fundamento: você me enxerga até no íntimo.
Ter alguém assim é olhar para o outro e se questionar como tal pessoa existe. Ter ciúmes de maneira saudável, mas protetora. Gastar todo o tempo do mundo ouvindo sua voz e nem assim cansar. Fechar os olhos e poder sentir seu abraço. Confiar sem medo de se arrepender. Amar sem restrições e não ter vergonha disso. Pensar, esporadicamente, mais no outro do que em si. E, principalmente, não encontrar solução para seu coração sem aquele alguém.

Paula Braga. 

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Estranhos

 

Ela caminhava despreocupada na calçada da avenida, por entre centenas de pessoas. Os fones em seu ouvido zuniam com a batida do rock, fazendo-a se desligar do mundo. Algumas mechas de seu longo cabelo vazavam pelo capuz, e seus dedos estalavam dentro dos bolsos. Até ali, mais um dia normal.
De repente, seu ombro esbarrou em um rapaz um tanto mais alto, vestido claramente como um homem de negócios. Ele falava atentamente ao celular, e mal a encarou ao se desculpar e seguir caminho. Afinal, esbarrar em alguém no meio daquela multidão era inevitável.
Mas algo naquele homem lhe chamou a atenção. Talvez o aceno na cabeça ao se desculpar, ou a maneira de andar, ou postura de atleta, mesmo dentro de um terno... Tudo aquilo lhe era familiar o suficiente para deixá-la curiosa. Ponderou por dois segundos, deu meia-volta e o seguiu.
Enquanto não o perdia de vista, perguntou-se o porquê de não ter sido reconhecida, pois a cada segundo tinha mais certeza de que era “ele”. Ela não estava tão diferente de alguns anos atrás, não o bastante para ser considerada estranha... Ou estava? Sorriu para si mesma, dando-se conta do quanto ele ainda a inquietava.
Sem aviso, ele entrou em um café-bar, e ela ficou a observá-lo pela vitrine. Sentou-se de costas em uma mesa um pouco afastada, e ela permaneceu do lado de fora, imersa em pensamentos.
Perdera muitos queridos para o tempo, mesmo aqueles que considerava amigos. Já se acostumara a perder o contato lentamente, até que as sutilezas lhe escapavam e eles já não se pertenciam mais. Seus vinte e poucos anos já lhe haviam ensinado o suficiente para saber que não era só o afeto que mantinha os relacionamentos, era necessário muito mais. O mais necessário, talvez, fosse maturidade, mas era o que geralmente faltava. Maturidade para seguir seus caminhos sem abandonar seus alicerces, desenhar seu próprio futuro sem deixar de fazer planos com seus amigos.
Obviamente, havia exceções. Ela ainda tinha amigos de longa-data, que, por obra de si mesmos ou por obra do acaso, permaneceram em sua vida. Mas estes eram uma pequena porcentagem do que tinha outrora.
Agora, vendo-o ali, teve a certeza que eram estranhos. Logo eles, que foram tão ligados, agora eram desconhecidos um do outro. Primeiro perdeu-se a convivência, e veio a solidão. Depois, foram-se as brincadeiras, e veio o estranhamento. E por último perdeu-se o contato, e veio a saudade. Saudade essa que adormecia esporadicamente, mas nunca realmente a deixava.
Ela se virou e foi embora, dando as costas para o que um dia lhe parecera impossível de abandonar. Continuou o seu caminho com a sua solidão, cercada de gente, mas com um vazio no coração.

Paula Braga.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Metamorfose Reversa

 

Quando o vazio se instala, é difícil pará-lo. Toda aquela felicidade que você me proporcionou se foi, e nada será como antes. Muita coisa mudou em tão pouco tempo... O genuíno sorriso se perdeu em algum lugar da sua nova feição, as palavras belas se foram com os ventos de junho, e somente a lembrança do seu abraço é que ainda me conforta.
Boas lembranças... É o que fica, é o que deve ficar. Lembrar-me das nossas gargalhadas despreocupadas para não me lembrar das suas duras e orgulhosas palavras. Lembrar-me dos seus segredos compartilhados para não lembrar da sua recente falta de confiança. Tudo tão contraditório... O tempo lhe contradisse, você se contradisse.
A borboleta virou lagarta, e eu não consegui impedir. Mas o que eu poderia ter feito nas atuais circunstâncias? Você não me incluiu em sua metamorfose reversa, deixou nascer um buraco entre nós.
Você se perde em uma floresta de ilusões enquanto eu me perco em um abismo. Eu poderia abrir minhas asas e fugir, mas não agora. Antes, preciso ver sua felicidade, para que minha dor não tenha sido em vão. Assim, e somente assim, eu vou poder voar para bem longe... Cada vez mais longe do seu coração.


Paula Braga.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Escolha


De nada adianta o meu esforço, se já não vale a pena.
Eu busco me apegar às coisas boas, enquanto você enfatiza as nossas diferenças. Por que eu ainda amo quem não me acha adequada para si? Não, não há resposta. Escuto apenas o eco da minha dúvida.
Dediquei-me a ti com todas as minhas forças, apesar das tantas evidências que me alertavam para o contrário. Quantas vezes confiei em ti, e em tantas me arrependi... Você me faz quebrar a cara sucessivas vezes, mesmo que sem querer.
Engraçado, você realmente parece mais à vontade com outras pessoas. É, talvez sejamos mesmo muito diferentes, então não quero mais ser um fardo para você. Eu me esforcei para mudar por ti, mas só agora vejo que foi em vão.
De agora em diante, não quero que deixes de ser feliz com quem te faz bem. Não quero que te preocupes se estou chateada. Desisto de tentar fazer você me entender. Deixe que as lágrimas fiquem comigo, afinal, já me acostumei a elas. Suplico que simplesmente vá, e não olhe para trás, pois eu não garanto conseguir me manter se olhar nos seus olhos. Sem mais dores, melhor assim. Apenas vá, mesmo que mais cedo.
Desculpe-me, mas adeus.

Paula Braga.