quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Monstro Particular


Ela estava sentada na cama, com os pés apoiados no chão, a cabeça sustentada por uma das mãos (cujos dedos, feito garras, embrenhavam-se aos cabelos), e a outra sustentando uma frieza metálica. Coragem, coragem... Apertou os olhos e deixou escorrerem lágrimas que lhe contornaram timidamente a face.
Entranhou ainda mais fundo os dedos nos cabelos, trincou os dentes e suportou a dor. O ardor lhe subiu pelo antebraço, deixando o restante do corpo fora de foco. Não era tão ruim quanto parecia aos alheios, e a letargia forçada lhe adormecia levemente. Coragem... Seria mesmo fraqueza? Seria mesmo errado? Não teria ela o direito de se livrar daquela dor no peito como bem quisesse e fizesse?
Decidiu, porém, deixar-se levar pelo torpor que ia se intensificando e estirou seu corpo na cama. Tonta e cansada, ensaiou um gemido de angústia e desespero, e, pela primeira vez, teve medo de si mesma Afinal, como chegara àquele ponto? O que significava tudo aquilo? Em que espécie de monstro havia se transformado? Monstro de si e para si, alimentando-se de uma vagarosa autodestruição.
Num átimo, apagou. Nada fora do planejado. Jazia quieta, indefesa, entregue a um sono profundo e perturbado por pesadelos que ela, com sorte, não lembraria. Levantaria no dia seguinte um tanto abalada, um tanto lenta, mas levantaria com seu rotineiro sorriso-escudo. Encararia mais um dia de sol com a esperança que a noite demorasse a chegar, e carregaria exposto e escondido em si, respectivamente, um anjo alheio e um monstro particular.


Paula Braga.

2 comentários:

  1. "Não teria ela o direito de se livrar daquela dor no peito como bem quisesse e fizesse?"

    esse monstro que cada um de nós carrega em si muitas vezes é um grande inimigo. tenho a impressão que em mim também habita um, com o qual luto a cada dia, tentando expulsá-lo e sendo derrotada muitas vezes. o que fazer? eis a questão. seria o tempo a resposta? ou seria ele, como muitas vezes eu chego a uma quase certeza, um aliado do nosso monstro interno? aumentando ainda mais as dores, criando cicatrizes e plantando sementes más na memória...

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  2. Nada ou ninguém consegue livrar essa dor. Vivemos a pensar que o tempo vai ser nosso amigo e com ele vamos ultrapassar um sentimento que jamais queremos voltar a sentir, mas é apenas uma ilusão.
    Quem não passou por isso ? Quem não sentiu que aqueles gestos, aqueles sentimentos, aqueles sorrisos, aqueles movimentos ... fazem parte do passado ?
    São dores que vão fazer parte de nós para sempre ... para sempre.

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