domingo, 4 de setembro de 2011

Chão

Carne e alma fundidas me ofuscam os sentidos. A sensibilidade, sempre tão à flor da pele, escondeu-se nas profundezas do íntimo. De tanto negar a mim mesma tal tendência a amar, acabei por adormecer as emoções a ponto de, por vezes, precisar revirá-las conscientemente.
Tal dormência me dá certo asco. Como posso ser fria, se sempre abominei quem reprimia os sentimentos? Hipocrisia involuntária. O tempo me mostrou (e ainda mostra) que o “tanto faz” evita dor. Escudos invisíveis bloqueiam oportunidades, mas amortecem desilusões. A racionalidade me impede vôos desvairados, puxa-me para o real. Mas quem disse que o real é belo? Chega a ser áspero, frio, sem vida. Fácil. Cômodo. Sem emoção.
Assim, permiti-me um vôo. Um só. Apenas um vislumbre de céu, uma fresta no escudo, uma ínfima esperança de aquecer um coração. Jogada fora. Caí em queda-livre, de asas cortadas e ilusões perdidas. O baque me trouxe ao real. O chão era o fim. Rastejei em meio às dores, ajoelhei, levantei. Encarei as feridas, engoli o choro e não mais lamentei.
Fitei o céu ao longe e amargurei triste sorte. Inalcançável. Cansara de tentar. E, com os pés firmes no chão, segui o caminho tortuoso daqueles que não sabem amar.


Paula Braga. 


3 comentários:

  1. "Tal dormência me dá certo asco. Como posso ser fria, se sempre abominei quem reprimia os sentimentos? Hipocrisia involuntária. O tempo me mostrou (e ainda mostra) que o “tanto faz” evita dor."

    Já senti exatamente igual e percebi que mudei pra tentar me adequar, as vezes sofro com essa mudança...
    Muito lindo mesmo.
    Adorei o post...

    http://somdospassos.blogspot.com/

    Bei-jos

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  2. Tal qual Ícaro, querendo voar perto do sol =P Brutal.

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