Poucas vezes pode-se ver estrelas
por entre as nuvens da cidade. Mas, àquela noite, eram muitas as teimosas que
insistiam em se mostrar.
Noite peculiar, diz-se.
Noite de duas luas.
Uma delas escondia-se por entre o
labirinto de prédios que, dali, pareciam alcançar o céu numa massa labiríntica avançando
à beira-mar. Seu ciclo, tão certo, dizia-nos que era véspera de lua cheia, mas
ainda assim ela insistia em se manter tímida no céu. Talvez para deixar brilhar
a outra, a que repousava na areia, àquela noite cheia como há tanto o seu ciclo
incerto não nos permitia ver.
Eu a via de perto, com os pés imersos
na areia e os lábios adocicados por um vinho que eu faria questão de guardar a
tampa. Mais real que o mar tranquilo ou as pessoas ao longe, um longe que
parecia ainda mais uma vez que pra mim só existia ela. Eu podia vê-la, eu podia
senti-la, eu podia deixar o seu calor me inundar a fundo como há tanto me fazia
falta. Sentindo-a finalmente ali, parecia como se ela nunca tivesse se
escondido. Fácil e natural. A dor, a dor genuína do meu coração aquecido pelo
seu calor sempre foi o meu vício mais prazeroso, e senti-la foi como voltar
para casa depois de uma custosa viagem.
Deixei que me invadisse plena e me
deleitei sem prudência. Eu a consumi sem sequer pensar em quando o ciclo
incerto dessa lua iria levá-la dali, ou talvez por isso a consumi tanto. Ela jamais me permitira medo. Debruçada na areia, tomada pelo cheiro, o gosto, o toque,
o calor, eu não poupei o turbilhão de sentimentos que ela, como nada mais, era
capaz de aflorar. Não economizei os sentidos. Não refreei a energia. Traguei-a
e me deixei dragar pelo que ela me trazia de melhor: algo dentro de mim mesma
que só se via quando ela se mostrava plena, e eu nela me atirava sem pudor.
Algo que eu esquecera como era
sentir.
Mas que, com aquela lua cheia outra
vez,
Foi como se nunca tivesse apagado.
Paula Braga.
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