terça-feira, 21 de junho de 2016

Noite de Duas Luas

Poucas vezes pode-se ver estrelas por entre as nuvens da cidade. Mas, àquela noite, eram muitas as teimosas que insistiam em se mostrar.
Noite peculiar, diz-se.
Noite de duas luas.
Uma delas escondia-se por entre o labirinto de prédios que, dali, pareciam alcançar o céu numa massa labiríntica avançando à beira-mar. Seu ciclo, tão certo, dizia-nos que era véspera de lua cheia, mas ainda assim ela insistia em se manter tímida no céu. Talvez para deixar brilhar a outra, a que repousava na areia, àquela noite cheia como há tanto o seu ciclo incerto não nos permitia ver.
Eu a via de perto, com os pés imersos na areia e os lábios adocicados por um vinho que eu faria questão de guardar a tampa. Mais real que o mar tranquilo ou as pessoas ao longe, um longe que parecia ainda mais uma vez que pra mim só existia ela. Eu podia vê-la, eu podia senti-la, eu podia deixar o seu calor me inundar a fundo como há tanto me fazia falta. Sentindo-a finalmente ali, parecia como se ela nunca tivesse se escondido. Fácil e natural. A dor, a dor genuína do meu coração aquecido pelo seu calor sempre foi  o meu vício mais prazeroso, e senti-la foi como voltar para casa depois de uma custosa viagem.
Deixei que me invadisse plena e me deleitei sem prudência. Eu a consumi sem sequer pensar em quando o ciclo incerto dessa lua iria levá-la dali, ou talvez por isso a consumi tanto. Ela jamais me permitira medo. Debruçada na areia, tomada pelo cheiro, o gosto, o toque, o calor, eu não poupei o turbilhão de sentimentos que ela, como nada mais, era capaz de aflorar. Não economizei os sentidos. Não refreei a energia. Traguei-a e me deixei dragar pelo que ela me trazia de melhor: algo dentro de mim mesma que só se via quando ela se mostrava plena, e eu nela me atirava sem pudor.
Algo que eu esquecera como era sentir.
Mas que, com aquela lua cheia outra vez,
Foi como se nunca tivesse apagado.


Paula Braga.

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