“Não solta, não solta, não solta...”
Mas, enquanto pensava isso, eu mesma soltei.
Eu ainda elevo minha alma ao limite da pele quando te abraço, embora
hoje comedida, como se fosse possível ultrapassar os cinco sentidos; a surpresa
foi sentir a tua alma encostando na minha de volta. Recuei, tomada por uma
familiaridade inusitada, como quem passa de súbito em frente à casa onde
cresceu, seguida por um misto de nostalgia e curiosidade, fato comum de quando os meus
olhos procuram os teus nesses novos tempos onde nós tomamos nitidamente dois
cursos de vida, e que não fazemos ideia de como voltarão a se cruzar.
Você me parece hoje um mistério pintado pelo que tenho perdido dos teus
detalhes cotidianos emoldurando formas que eu conheço tão a fundo. Mas, se meu
bolo preferido me fosse dado com uma cobertura diferente, teria eu medo de
provar? Perderia eu a chance de experimentar um novo ainda melhor, e assim
aprender a buscar bolos diferentes que poderiam ser tão bons quanto? O seu
mistério não me entristece mais, pelo contrário: ele me instiga a ponto de me fazer questionar todos os meus sabores.
E foi nessa busca que eu soltei o teu abraço, mesmo querendo ficar a vida inteira. Ainda é um bolo incrível, mas quantas coberturas
diferentes se há por provar? Será que a velha, outrora preferida, adequar-se-ia aos meus novos
gostos? E, sobretudo, será que esse bolo ainda pode mesmo ser para mim?
Quando eu senti a tua alma me tocando de volta eu obtive a resposta para
esta última, mas foi pelas tantas outras que eu te soltei: para sentir por mim
mesma a vontade de conhecer todos os sabores possíveis junto à certeza de que, no fundo, a essência do gosto preferido permanece imutável.
Paula Braga.
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