quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sobre um saco de doces e um sorvete de morango


Eis o meu retrato numa quinta-feira mórbida qualquer, daquelas em que você se obriga a levantar da cama e viver. A noite mal dormida foi pontuada por pesadelos, alguns vívidos, e o dia se arrasta estressante e insalubre, a cabeça sem funcionar, o estômago reclamando. A boa e velha vontade de chutar o balde acompanha o cansaço mental enquanto vago atrás de um banco qualquer, depois de escrever páginas e mais páginas sobre uns tais urbanistas portugueses.
Típico. Tediosamente típico.
Ela, então, me acha ali, externamente lúcida, internamente exausta. Dessa vez, porém, vem com as mãos ocupadas, os braços abertos, à procura de mim com aquele sorriso tão conhecido, desenhado numa curva à qual a mais bela de Niemeyer não pode ser comparada. Surpresa.
Foi o que me trouxe aqui. Ainda sinto o gosto do sorvete e dos doces enquanto digito essas palavras, despertas pela doçura do gesto. Que me tomem por paradoxal, dona de um coração gélido mas que, para ela, faz-se lava escorrendo de um vulcão. Que me tomem, ainda, por ingênua, mesmo tão incrédula de todas as outras coisas da vida. Talvez aí resida boa parte da magia do sentimento: em terreno tão inóspito, vive um amor inacreditavelmente puro. Poderia eu abrigar, calada, tamanho afeto? É querer demais de alguém tão falante.
Lá estão as duas, a narradora e a supracitada. Quem as vê de fora não imagina um terço do que já passaram juntas, mas é perceptível a sintonia de seus gestos, a coerência de suas frases, o ritmo comum de suas ações. Para os demais, sobra a constante sensação de que estão conversando silenciosamente, por telepatia, uma habilidade adquirida menos com o tempo que com a intensidade dos momentos vividos.
Eles, porém, não imaginam tamanha verdade que elas carregam nos tão proferidos “eu te amo”, longe de serem banais, mas sim honestos a ponto de não se poder calar. Não, terceiros jamais entenderiam. Resta a eles criticar, admirar, ou até mesmo conviver com aquilo que elas criaram para si. Talvez possamos denominar irmandade. Não... É outra coisa, algo que ainda não tem nome. Mas quem se importa com tipificações? Contentam-se em saber que alguém, quase sempre ao alcance da voz, conhece, cuida e ama, acima de (e principalmente com) todos os defeitos. Alguém para o qual se possa entregar a parte mais pura e guardada do coração. Alguém que jamais o magoaria.
Penso em tudo isso no breve instante em que a abraço e os recebo, o sorvete e o saco de doces. É o tipo de coisa que penso mais frequentemente que verbalizo, calando por ocasião das banalidades. Mas cá estou, sem vergonha alguma, bobamente agradecida não só pela alegria do momento, como também, e sobretudo, por tudo que reservamos uma para a outra. Por cada segundo em que me senti feliz, cuidada... Protegida. E, mais ainda: pelo fato de ser guardada pelo melhor anjo que eu poderia querer.

Paula Braga.


Um comentário: